A biografia à prova da identidade narrativa
Palavras-chave:
Biografia, Memória, HistoriografiaResumo
Hoje, o que se expressa com a nova paixão biográfica contemporânea, não é o próprio personagem, aquele da "Historia magistra vitae", do culto da vida exemplaria, mas uma nova preocupação para o estudo da singularidade e uma atenção particular aos fenômenos emergentes que são considerados como objetos bons para pensar graça a sua complexidade, e a sua impossibilidade de reduzi-los em esquemas mecânicos. Da mesma maneira que se remete ao "bios" como vida no sentido biológico, mas significando ainda também uma maneira de viver, o tipo biográfico encarnou exigências diferentes conforme os momentos históricos. Manifestamente ligada á necessidade de construir sua identidade no tempo e no espaço, o gênero biográfico acompanhou as evoluções de uma sociedade que deu um lugar crescente ás lógicas singulares dos indivíduos. No ponto de partida, a pessoa se apagava atrás do seu personagem, o retrato se diluía debaixo do modelo unitário concebido para ser imitado e dar lugar á identificação. Lição de Vida, a Historia Magistrae representava uma fonte de inspiração para a própria vida do seu leitor pelo caráter exemplar do personagem elevado em herói ou em santos. O biógrafo não aparecia para deixar todo lugar a seu personagem em simulacro da realidade que devia ganhar pela ilusão criada pela força de convicção. A biografia funciona então no regime da mesmice, modelo levado a seu paroxismo no século XIX por Taine segunda uma leitura cientista da identidade pessoal. Taine tem por ambição de chegar "as regras da vegetação humana". O biógrafo é então o equivalente do zoólogo ou do botânico que elabora suas classificações de espécies em função dos retratos psicológicos que ele constata.
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